Violência Doméstica: uma luta a ser vencida

Maria Cecilia Prestes De Oliveira
8 min readSep 21, 2021

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  • Apesar de algumas conquistas, o Brasil caminha a passos lentos rumo à segurança das mulheres

O ano de 2021 marca o décimo quinto aniversário da lei 11.340, sancionada em 2006, a “Lei Maria da Penha”, nomeada em homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes.

Tenho certeza que você já ouviu falar nesse nome, mas é necessário entender melhor o porquê Maria da Penha se tornou símbolo da luta contra a violência da mulher.

Maria se casou com Marco Antônio, um colombiano que conheceu enquanto estudava na faculdade. Após namoro, casamento e o nascimento de suas duas filhas, o marido deu início às agressões, resultando na primeira tentativa de feminicídio, quando Marco atira contra a esposa, que fica cadeirante após o tiro atravessar a sua coluna cervical.

No entanto, Marco Antonio declarou à polícia que tudo só havia passado de uma tentativa de assalto e, quatro meses depois, quando Maria da Penha saiu do hospital e voltou para casa, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Maria da Penha recorre ao poder judiciário, mas Marco Antonio sai livre do julgamento, devido a recursos da defesa. Apenas em 2001, o Estado brasileiro é responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra Maria da Penha.

Sua luta virou um símbolo e, anos mais tarde, levou à aprovação de uma lei cujo foco é criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher

Apesar da lei estar comemorando 15 anos, o Brasil se encontra longe de vencer a violência doméstica, que infelizmente contabiliza 9% do total de crimes cometidos no país.

  • Violência Doméstica na pandemia

No ano de 2020, teve início a pandemia do coronavírus, que obrigou todos a permanecerem em casa, e consequentemente, levou as mulheres a passarem mais tempo com seus agressores. Assim, o Brasil deu início à sua luta contra a Covid-19, e paralelo a isso, encontrou um outro inimigo: o feminicídio.

Segundo a Agência Brasil, os números de ocorrências aumentaram 36% durante a pandemia. No gráfico abaixo, é possível fazer uma análise dos números, que ilustram a quantidade de vítimas que sofreram neste período.

Gráfico ilustra o crescimento dos números de casos na pandemia. Créditos: Agência Brasil

Em Cascavel, a Delegacia da Mulher presta o trabalho de atendimento às vítimas, buscando ampará-las. Também é realizado um trabalho preventivo, educativo e curativo efetuado pelos setores jurídico e psicossocial.

Mesmo com o crescimento das ocorrências durante a pandemia, o Brasil conseguiu dar um grande passo em prol da segurança das mulheres. Em 28 de julho de 2021, foi publicada a Lei Federal n° 14.188/2021, que inseriu o artigo 147-B no Código Penal Brasileiro, criminalizando a violência psicológica praticada contra a mulher.

De acordo com a lei, incorrerá nesse crime quem praticar qualquer conduta apta a causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. A pena é de reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

A Advogada especializada em atendimento à mulher, Sylvia Gonçalves, ressalta que essa definição não é nova, pois já constava no artigo 7°, inciso II, da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que justamente conceitualiza a violência psicológica. “Além de algumas alterações no texto, a diferença é que aquele artigo não trazia uma pena consigo, ou seja, possibilitava a identificação da violência, mas não a punição do agressor”, explica.

É importante destacar que o novo tipo penal faz menção a danos emocionais, e abrange situações que impactem negativamente as emoções da vítima e sua autoestima: situações humilhantes, manipulativas e que, muitas vezes, conduzem a mulher a desenvolver transtornos de ansiedade e depressão.

Sylvia explica que as condutas praticadas antes do advento dessa nova lei não são puníveis por meio dela, somente aquelas praticadas posteriormente, ou seja, a lei não retroagirá.

Em média, ao menos uma vítima por semana chega até Sylvia precisando de ajuda, pois estão fragilizadas emocionalmente e com preocupações financeiras. Ela explica como funciona o processo na delegacia após a denúncia: “Aqui em Cascavel, é comum que a delegacia de polícia, após a lavratura do boletim de ocorrência, questione à vítima se ela deseja retornar à sua casa para buscar seus pertences, com o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha.”

Em apoio ao trabalho desempenhado pela Delegacia da Mulher, surgiu o Abrigo de Mulheres Vanuza Covatti. Este abrigo presta serviços de acolhimento institucional para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. O órgão está vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social, e tem seu trabalho articulado com o Sistema de Justiça e demais políticas públicas.O abrigo atende casos de altíssima gravidade, e concede à mulher, filhos e/ou dependentes, um lugar para ficar em sigilo e longe de seu agressor.

A iniciativa surgiu em 1998, ainda com outro nome, vindo da necessidade de dar um lar às mulheres, que por não terem outro lugar para viver após a denúncia, precisavam voltar a morar com seus agressores enquanto eles não eram presos.

Segundo Rosmeri Zimermman, coordenadora do abrigo, o local atende hoje sete mulheres, seis crianças e uma adolescente, mas possui capacidade simultânea para 20 pessoas.

Em 2020, o abrigo atendeu em média 89 acolhidas e 86 dependentes, e até Julho de 2021, foram feitos 56 atendimentos às mulheres, juntamente com 65 dependentes.

Rosmeri conta qual a situação das vítimas ao chegarem no abrigo: “As mulheres chegam até nós psicologicamente abaladas e muitas vezes agredidas fisicamente. As pessoas acolhidas aqui, relatam muito a sensação de alívio por estarem em um ambiente onde não há violência, no qual as pessoas envolvidas estão ali para ajudá-la em suas demandas; a sensação de poder dormir tranquila durante a noite, sem o medo de ser agredida; o alívio por existir um acolhimento, possibilitando a elas sair de suas residências e ficar em um local seguro. A troca de experiências com outras acolhidas também as fazem perceber que outras mulheres passam pelo mesmo problema e que também estão ali procurando dar um novo rumo para suas vidas, isto é, lutando por uma vida melhor para elas e seus filhos. Relatam também que só no abrigo tiveram a oportunidade de repensar suas vidas, e através dos atendimentos realizados pela equipe, passam a perceber que existem outras possibilidades de romper com aquela relação abusiva e recomeçar uma vida com mais autonomia e sem violência.”

O processo para conseguir acolhimento inicia com o encaminhamento das mulheres pelos órgãos de segurança pública ou por algum serviço da rede de apoio, o acolhimento é imediato, desde que a situação encaminhada seja perfil para este Serviço, isto é, mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Rosmeri ressalta ainda que não há custo algum para viver no abrigo, pois o órgão é mantido através da prefeitura. “Todas as despesas da Unidade são providas com recursos municipais, desde Recursos Humanos, alimentação, produtos de higiene, manutenção geral da Unidade, até a Vigilância Armada, que é terceirizada. Doações somente são recebidas quando direcionadas à pessoa acolhida como roupas, calçados, cama, mesa e banho, utensílios domésticos, móveis, e outros que serão utilizados pelas famílias ao deixarem o abrigo.”

Porta de entrada do Abrigo de Mulheres Venusa Covatti

O Serviço é desenvolvido em ambiente com características residenciais, em local sigiloso, monitorado 24hs por vigilância armada, com estrutura física adequada e com a obrigatoriedade de manter a identidade das usuárias sob sigilo, por questões de segurança, a fim de impedir que o autor das agressões tenha acesso à família e para não expor a história das vítimas em situação de violência — as informações são trocadas apenas com profissionais da rede de apoio.

Ilustração de divulgação Abrigo de Mulheres Venusa Covatti
  • Denunciar ou não? A dúvida entre a justiça e o sentimento de libertação

Uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência durante o último ano, segundo pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e Andriane Queiroz foi mais uma dessas mulheres, que acabou entrando para as estatísticas.

Andriane é uma jovem de 19 anos que conheceu um rapaz em janeiro de 2020 enquanto trabalhava em um supermercado. Com apenas 3 meses de relacionamento, o agressor passou a morar em sua casa, por questões financeiras, já que o rapaz não tinha outro lugar para viver.

E foi assim, com apenas 3 meses, que Andriane viu seu então namorado se transformar em um monstro. “Ele ficou um ano morando dentro da minha casa, junto com minha mãe, e foi aí que ele começou a se mostrar agressivo e… enfim, fazer várias coisas absurdas que nenhum homem nunca poderia fazer com uma mulher”.

As agressões eram acompanhadas de violência verbal e abuso psicológico, e aconteciam de forma constante. Andriane conta que a permanência do rapaz em sua casa era apenas uma ajuda temporária, mas que ele se recusou a sair depois de um tempo. “Minha mãe disse pra ele: você mora aqui com a gente até você achar outra casa, e depois você sai, mas desde então ele não saiu”.

Após aguentar tantas violências, Andriane descobriu algumas traições e terminou seu relacionamento, entretanto, antes de ir embora, o rapaz retornou até a residência para mostrar a nova tatuagem que havia feito em seu peito, a escrita de um nome de outra mulher.

A partir disso, Andriane decidiu apenas seguir em frente, e não procurou ajuda legal, pois, segundo ela, era muito nova e não queria prolongar ainda mais essa situação, já queria se ver longe deste homem o mais rápido possível.

Após o trauma, Andriane relata sofrer insegurança e ansiedade até hoje. “Precisei buscar ajuda psiquiátrica e fiz uso de remédios. Sofri com queda de cabelos, e várias manchas surgiram no meu corpo por conta do nervosismo e ansiedade”.

Este é apenas o relato de mais uma das milhares de mulheres que sofrem esse tipo de violência no Brasil, e que assim como Andriane, não levam o caso para a justiça.

A advogada Sylvia Gonçalves ressalta a necessidade de não silenciar os abusos, já que, ao escolher não denunciar um agressor, pode-se colocar em risco a vida da futura mulher com a qual este homem irá se relacionar, pois ela desconhecerá o seu passado. Ela explica que, para prestar uma ocorrência, o processo não é burocrático, como a maioria das pessoas pensam. “Registrar a ocorrência de um crime no âmbito de violência doméstica e familiar é muito simples, basta ligar à Polícia Militar se o crime acabou de acontecer ou ainda está em situação de flagrante delito, ou registrar Boletim de Ocorrência na delegacia mais próxima. Denúncias anônimas podem ser feitas de forma gratuita por meio do disque 180”, finaliza.

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